Partilho abaixo o sexto texto que preparei para o campeonato de escrita criativa em que estive envolvida. Espero que gostem e que possam voar longe nas asas da imaginação
Gavião sem asas
Gavião nasceu magro, de estatura meã e algo desajeitado. Cresceu de uma forma solitária, e o tempo livre que dispunha, cercado pelas tarefas escolares e o quotidiano caseiro, era passado a observar as aves a voar, acalentando o sonho de um dia viajar para locais distantes. Que épico poderia ser esse voo – pensava – transportando-o para uma qualquer outra realidade.
Com imaginação, todos os dias inventava estruturas aladas que, com afinco, ou mesmo algum grau de loucura, arrastava para um qualquer galho de uma árvore, para logo se atirar num voo insano que sempre acabava no chão a carpir mais umas mazelas a acrescentar a uma longa lista.
Cresceu triste e melancólico, o que se foi agravando com os sucessivos insucessos, que lhe mostravam a verdadeira dimensão da sua quimera, e após atingir a idade adulta decidiu rumar do Alentejo até à capital. Em Lisboa poderia começar do zero, pois ninguém o conhecia, e livrar-se assim da alcunha de Gavião que os seus conterrâneos lhe colaram à pele, como o Sol nas tardes de Verão do seu Alentejo castigava os que inadvertidamente se punham ao seu alcance. Voltou, assim, a usar o seu nome – José Pevide – como se retomar a sua identidade lhe permitisse uma segunda vida.
Na cidade, para além do trabalho de jardineiro, que lhe pagava as contas, estudava aeronáutica em horário noturno, com a intenção de conseguir construir uma pequena aeronave. Nunca conseguiria voar ao bater simplesmente os braços, como faziam as aves que povoaram as suas observações pueris, mas finalmente perspetivava realizar o sonho de atravessar o espaço aéreo, com os pés bem levantados do chão, numa máquina por si construída. Afinal, ao invés do que sempre Gavião tinha ouvido dizer, a vida pode domesticar o sonho.
(Manuela Resendes)