Todos nós temos aquelas gavetas misteriosas, onde se escondem tesouros de um passado guardado num recanto da nossa memória.
Posso encontrar mapas de estradas já percorridas, relógios onde o tempo parou ou fotos de um registo feliz; ainda roupas de encenação de outros tempos, cartas escritas com muita emoção ou poemas que nunca viram a luz do dia.
É uma viagem de sensações, em que a novidade está no que já foi vivido, onde se encontra o que nunca se perdeu e se avistam horizontes carregados de nostalgia.
E vem-me à memória um dia de chuva, um cheiro a perfume, uma casa fechada…
Lembranças reencontradas, como se as não tivesse sempre possuído, dum património silencioso sempre à espera de ser revisitado.
Esta é uma frase que tantas vezes dizemos a amigos e familiares, e ouvimos outras tantas, mas que muitas vezes nāo se traduzem em atos, quando é verdadeiramente preciso estar presente.
Hoje comemora-se o Dia Mundial do Doente, e se há situação em que ter um amigo por perto dá um conforto inexplicável é quando nos sentimos doentes. Quer pelas limitações físicas, que roubam autonomia, quer pela vulnerabilidade acolhida ou pela solidão sentida, o calor de um abraço solidário é o que permite encontrar as respostas sábias.
O “conta comigo” nāo pode corresponder a palavras vazias, de circunstância ou de cortesia; têm de ser sentidas, porque podem ser a luz em horas de abandono ou em noites que parecem nāo ter fim.
É estar quando a coragem dos dias antigos vacilar, e ajudar a encontrar o caminho onde a identidade se perdeu. É estar em silêncio, ou ouvir a musica preferida, encontrando o espaço certo para encaixar na necessidade do outro.
É deixar que o eco das palavras faça ressoar uma mensagem de coragem e esperança nas ausências consentidas.
“Conta comigo” é chegar antes de ser necessário, antecipar dias de solidão e acolher a vulnerabilidade, porque a vida faz muito mais sentido se soubermos partilhar os bons e os maus momentos!
Fui desafiada pela Chiado Editora para contribuir com um poema da minha autoria para o livro “Entre o sono e o sonho”.
O meu poema reuniu os critérios para ser incluído no referido livro, não podendo deixar de fazer um agradecimento à Chiado Editora por mais esta oportunidade de dar a conhecer a um publico mais vasto um pouco da minha escrita. Não posso também deixar de agradecer a todos aqueles que seguem o meu blogue e que todos os dias me incentivam a prosseguir nesta caminhada.
As nuvens de cinza escuro movem-se com a urgência da descarga, o vento sopra forte de norte e a chuva cai de forma raivosa.
Vejo olhares vagos, perdidos num tempo sem medida, e gestos meigos escurecidos de silêncio, fugindo de lengalengas fastidiosas e inférteis.
Ouço um murmúrio de queixume e o alento vai esmorecendo como o arome do perfume, restando uma coragem feita de cansaços.
E quando o sol desaparece a poente, os pensamentos surgem alados de medos prematuros, tocando as arestas do futuro.
Mas há sempre um novo raiar, que nos permite olhar os amplos horizontes e encher de novo a alma de uma energia retemperadora que nos reconcilia com a vida, vendo em cada gota de orvalho o germinar de um tempo harmonioso.
Que nestes tempos incertos nunca nos faltem os Sonhos e a Fé…
Na sequência do desafio lançado pela Editora Letras Lavadas para escrever uma carta a um amigo/a no âmbito das comemorações do dia de Amigos/as, tradição açoriana que este ano devido à pandemia teve de ser feita à distância, dei o meu contributo com a escrita de uma missiva endereçada a um amigo de infância.
Estas cartas foram publicadas pela referida editora no e-book “Longe da vista, mas perto do coração“, que pode ser consultado através do link letras lavadas.pt, sendo o download gratuito.
Partilho aqui a carta com que respondi ao referido desafio….
Meu Caro Luís,
Espero que esta carta te encontre bem, apesar das circunstâncias mais difíceis e desafiantes que estamos a viver. Mas como tantas vezes dissemos, a vida é feita de saltos e sobressaltos e são os amigos a tecer a rede que nos ampara ou serve de trampolim para voos mais altos.
Nestes dias mais introspetivos dei por mim a pensar nas nossas brincadeiras de infância, e no quanto ficávamos felizes com as pequenas transgressões, como saltar na poça com mais água ou visitar aquele vizinho que tinha sempre uma história engraçada para contar, atrasando o regresso a casa, com a consequente repreensão.
Mais tarde eram as longas conversas, em que tudo era questionável, fazendo-nos perder a noção do tempo, mas ganhando estatuto de gente crescida com opiniões bem demarcadas e sentindo-nos donos da verdade.
E foi-se gerando assim uma tal cumplicidade entre nós que um olhar, ou um silêncio, era imediatamente percebido, e o seu significado descodificado. Os sonhos eram também eloquentes, com projetos conjuntos com grande impacto no futuro da humanidade.
Entretanto quis o destino que a nossa vida decorra separados pelo mar, mas sempre soubemos transmitir a coragem, o otimismo e o alento de que o outro precisa.
Quantas vezes depois de um momento triste acabámos com uma gargalhada, desconstruindo e tornando mais leve a realidade, inventando soluções quase mágicas, nesta conexão mental que perdura, apesar do tempo e da distância.
E enquanto te escrevo espreito pela janela e um raio de sol rasga o cinza do céu deste dia nublado e triste, e avisto a roseira que um dia me ofereceste acompanhada de uma mensagem que me acompanha até hoje, que não, sei se te lembras, dizia o seguinte: “mesmo as rosas vermelhas de que tanto gostas, apesar da sua beleza, têm espinhos; a vida também é assim…”. Com esta recordação o dia ganhou um novo colorido, e ao ver os botões de rosa a desabrochar livremente, indiferentes ao que se passa á sua volta, senti-me voltar à infância com uma inocente sensação de liberdade.
E como a carta já vai longa, despeço-me na esperança de um reencontro breve e na expetativa de receber notícias tuas.
Um grande beijinho desta tua amiga que te traz sempre no coração.
Amanhã é dia de eleições presidenciais no nosso país, momento de exercermos o nosso direito de voto em liberdade e consciência, fortalecendo a democracia e contribuindo para o que nos parecem ser as melhores escolhas para a nossa vida em sociedade.
Não basta criticar, dizer que tudo está mal, e que as injustiças são mais do que muitas; este é o momento de dar-mos o nosso contributo, pois se nos abstivermos de forma deliberada, desvalorizamo-nos cívica e socialmente, perdendo moralmente o direito à crítica e reivindicação.
O direito de voto foi conferido a todos os portugueses maiores de 18 anos com a aprovação da Constituição Portuguesa após a Revolução do 25 de abril.
Respeitemos a luta de tantos para chegarmos até aqui e podermos livremente exercer este direito/dever de votar, participando assim nas escolhas para o nosso país.
Em tempo de pandemia a comemoração do Dia de Amigos terá de ser mais contida, com a devida distância física, mas em festa, pois a amizade não conhece muros, nem confinamentos, e muito menos faz uso de máscaras ou de restrições de liberdade.
A amizade atravessa a imensidão do espaço e transcede todos os limites, num tempo fértil e cúmplice, sempre com a porta aberta para falar e escutar, para sublimar o silêncio e perscrutar o olhar, sendo âncora quando nos foge o chão.
Mas é também feita de risos desarmados e alianças inquebráveis, aventuras em mar aberto sem rotas delineadas, fazendo ecoar azuis profundos. É resistência nas tempestades e abrigo nas chuvas de verão, sabendo acolher as palavras desamparadas, ávidas de serem escutadas antes de calcificarem, silenciadas.
Mas quando os meus olhos se alagam de água, os amigos são o porto seguro, como sou para eles o céu de azul macio em dias de raivas flamejantes.
Os amigos são pacientes e tolerantes, pois são feitos de uma bondade que poucas vezes encontramos, de uma leveza fascinante, suspensos num fio invisível de dádiva permanente.
Os amigos são o açúcar e o sal, com que temperamos a vida.